A palavra evangelho significa feliz anúncio, proclamação de uma novidade que revoluciona a vida dos seres humanos, a saber: a salvação em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Com o tempo, o interesse pela história desse Jesus, que “andou por toda parte fazendo o bem” (At 10,38), fomentou o surgimento de um novo gênero literário, o evangelho, a narração da história de Jesus à luz dos eventos pascais, fruto do esforço das comunidades para formular e exprimir o significado dessa pessoa e de sua obra, bem como para explicitar a vida cristã, enquanto convite ao seguimento de Cristo. Tal anúncio consiste na mensagem essencial da fé e exige uma tomada de posição.
Introdução
Os evangelhos têm a pretensão de mostrar que é na totalidade da vida de Jesus que encontramos salvação. Mais do que relatos de uma história, são testemunhos de fé. Seu ponto de partida é a experiência dos primeiros discípulos, que aderiram a Jesus e foram impactados pela vida, palavras e comportamento do homem de Nazaré; que sofreram o ruir de suas esperanças com a morte do mestre; e que reencontraram, em sua ressurreição, sentido e resposta para a existência.
É importante sublinhar que cada evangelho está referido a uma comunidade determinada. Cada autor narra a história de Jesus de um modo que faça sentido para a comunidade à qual escreve e que suscite nela a adesão à sua proposta do Cristo. Assim, os evangelhos não são neutros; pelo contrário, estão profundamente marcados pela fé da comunidade, bem como por seus desafios e crises. Neste artigo, refletiremos sobre alguns aspectos do Evangelho de Lucas que poderão nos ajudar em nosso caminho de seguimento de Cristo e em nossos esforços de evangelização. Nosso intuito é apresentar a mensagem central do terceiro evangelho, sublinhando seu caráter atual, de forma que a Palavra proclamada seja eficaz para o tempo presente.
1. A obra lucana em seu projeto literário e teológico
O Evangelho de Lucas é uma proclamação do acontecido com Cristo Jesus e da salvação realizada por ele no mistério de sua encarnação, morte e ressurreição. É um manual de catequese, que ajuda no processo de iniciação e de reiniciação à fé. É fruto do esforço da Igreja depois de longo desenvolvimento da prática evangelizadora. Assim, apresenta as características de quem deseja se tornar discípulo missionário de Jesus e as exigências que lhe são feitas, tais como:
– a opção radical por Jesus e pela proposta do Reino, na qual é priorizada a vida plena para todos, sem discriminações ou privilégios;
– o ato de carregar a cruz como expressão do dom total de si mesmo a Deus, que significa assumir, com liberdade e responsabilidade, as consequências da opção por Cristo;
– o serviço à Palavra com docilidade pressurosa, percebendo os sinais dos tempos e a urgência do Reino de Deus;
– a oração pessoal e a vivência litúrgica como “espaços” privilegiados da experiência com o Cristo ressuscitado, que evangeliza o mundo atual mediante a ação do Espírito Santo nos discípulos missionários.
1.1 O autor e sua proposta
O autor do Evangelho de Lucas seria um convertido ao seguimento de Jesus, proveniente do ambiente da cultura helenista, pertencente à classe social alta, conhecedor da retórica grega e da exegese judaica e muito familiarizado com a versão grega do Antigo Testamento (LXX); um gentio que, entre os anos 80-85 d.C., escreve a comunidades cristãs fora de Israel (CASALEGNO, 2003, p. 235-240), que não entendem a cultura na qual surgiu a mensagem de Jesus. Sua intenção – explicitada no prólogo do evangelho: “para que conheças a solidez dos ensinamentos que recebestes” (Lc 1,4) – revela seu interesse de revigorar a fidelidade ao ensinamento e à prática transmitidos pela tradição apostólica e garantir a autenticidade da doutrina, mostrando que as práticas e os ensinamentos assumidos pelas comunidades de sua época estão enraizados no tempo de Jesus.
A perspectiva adotada pelo autor está em função da apresentação do cristianismo como uma continuidade e um desdobramento legítimos do judaísmo (cf. At 23,6; 24,21). O autor pretende afirmar que a salvação prometida a Israel e realizada em Jesus é transmitida pela corrente da tradição apostólica. Para isso, recolhe as tradições sobre o ministério de Jesus, reelabora-as e compõe uma catequese em duas partes, evangelho e Atos dos Apóstolos, cuja unidade é defendida pela maioria dos estudiosos do Novo Testamento (CASALEGNO, 2005, p. 29-32). Desse modo, o autor indica como as ações e as palavras de Jesus foram compreendidas e prolongadas por seus discípulos (GEORGE, 1982, p. 6).
O Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos, em sua unidade literária e teológica, apresentam o caminho profético e salvador através do qual Deus Pai percorre um trajeto com a humanidade, inicialmente com o povo da aliança, depois por meio de Jesus e das primeiras comunidades de seus seguidores e, enfim, com cada geração, até a plenitude do Reino para todos preparado.
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