No Antigo Testamento, a palavra “coração” (leb), no caso do ser humano, tem dimensão fisiológica e antropológica: significa o órgão anatômico e, também, simboliza a sede dos sentimentos, das emoções, dos desejos e das aspirações. O coração é “espaço” íntimo e oculto do ser humano. É o centro das decisões, da responsabilidade, do conhecimento e da atividade da vontade. Portanto, o vocábulo “leb”, em seu aspecto antropológico, representa a interioridade, a racionalidade e a moralidade.

O coração (leb) não designa uma parte ou uma dimensão do ser humano, mas o representa em sua totalidade. O ser humano todo é coração. Em sintonia com o Antigo Testamento, o Novo Testamento, com o vocábulo grego kardia, conserva significado análogo ao termo hebraico leb.

No plano antropológico, o coração, pela sua importância fisiológica, pode ser compreendido como o símbolo que representa a realidade da totalidade do corpo. Aqui o termo “símbolo” consiste na presença da própria realidade simbolizada. O símbolo não é um substituto de uma realidade ausente, mas a automanifestação da realidade simbolizada.

 Por meio dessa devoção tem-se acesso aos principais mistérios da fé cristã: à pessoa de Jesus Cristo, à trindade, à Igreja, aos sacramento.

Assim, onde está o coração humano encontra-se a totalidade do ser. O coração é o símbolo fisiológico e antropológico da realidade global da pessoa. Cada parte do corpo pode expressar o ser humano na sua totalidade, uma vez que tem em si a força, as propriedades e a função simbólica do todo, ou seja: a parte é co-substancial do todo.

No plano cristológico, o coração de Jesus Cristo é o símbolo-realidade da integralidade de sua pessoa, história e missão. O coração é o símbolo e Jesus Cristo, a realidade simbolizada. A devoção ao coração de Jesus não significa um culto dirigido pontual e especificamente ao seu coração fisiológico, enquanto órgão divorciado da sua totalidade corpórea, humana e divina. Não é culto a um membro da anatomia de Jesus Cristo, isolado do conjunto da história de sua vida e de seu mistério. O coração é o símbolo-realidade da totalidade humano-divina de Jesus Cristo.

Segundo o Papa Pio XII, na encíclica Haurietis aquas (1956), a veneração ao coração de Jesus “funda-se no fato de que o seu coração, sendo parte nobilíssima da natureza humana, está hipostaticamente, perfeitamente, unido à pessoa do Verbo de Deus. Portanto, é mister tributar-lhe o mesmo culto de adoração com que a Igreja honra a pessoa do próprio Filho de Deus encarnado”.

A veneração ao coração de Jesus é símbolo da comunhão com todos os crentes, porque a Igreja é continuadora do mistério de Cristo.

Assim, como onde está uma Pessoa Divina da Trindade está toda a Trindade, logo a devoção ao coração de Jesus Cristo, enquanto símbolo de sua realidade-totalidade, é uma adoração à própria Trindade. Adorando o coração de Jesus Cristo, eu adoro o Deus-comunhão que assumiu radicalmente a condição humana. O coração de Jesus é símbolo do mistério trinitário do Criador. Nele, está condensada a história de Deus, que fez comunhão com os seres humanos. É o símbolo-realidade da história do amor do Pai pela humanidade.

A vida e obra de Jesus Cristo prolongam-se na Igreja e nos sacramentos. Então a veneração ao coração de Jesus é símbolo da comunhão com todos os crentes, porque a Igreja é continuadora do mistério de Cristo. Como a Igreja se concretiza e se atualiza nos sacramentos, logo o coração de Jesus é símbolo da atuação da graça de Deus nos sinais sensíveis da nossa realidade espaço-temporal.

Enfim, por meio dessa devoção tem-se acesso aos principais mistérios da fé cristã: à pessoa de Jesus Cristo, à Trindade, à Igreja, aos sacramentos etc. No coração de Jesus estão abrigadas a história da relação de Deus com os seres humanos e a história da relação destes com Deus.

Pe. Renato Alves de Oliveira
Doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana (Roma)
professor de teologia da PUC Minas 

Publicado em Opinião e Notícias.