A Igreja mantém permanente relação com a realidade social. Mas, ao longo da história, o fez de maneiras diferentes. Visibilizemo-las em forma de figuras. A figura dos Atos dos Apóstolos se resumiu na ajuda fraterna entre as comunidades cristãs sob a pressão persecutória do Império romano e de grupos judaicos. As vítimas próximas eram as comunidades de Jerusalém da Palestina. Paulo provocou as coletas entre os cristãos mais bem situados economicamente para ajudarem os irmãos afligidos pela penúria.

Bem nos inícios, dentro da própria comunidade, os cristãos punham os bens em comum a fim de que não houvesse entre eles necessitados. O modelo e o exemplo da comunidade descrita por Lucas tornou-se matriz ideal que inspirou não só a vida consagrada, mas até mesmo modelos políticos de maior alcance. A partilha dos bens entre todos segundo o princípio de que cada um oferece o que tem e o necessitado retira o de que precisa pairou como horizonte no próprio sistema socialista. O erro colossal, que ele cometeu, adveio-lhe do desconhecimento do horizonte de possibilidade de tal ideal. Não nasce sem mais do desejo de um sistema que impõe a todos a generosidade. Esqueceu que na base da comunidade de Jerusalém, que inclusive conheceu o engodo pecaminoso de Ananias e Safira, estavam a fé, a conversão do coração, a liberdade da partilha e não a imposição. O modelo dos Atos tem funcionado somente em grupos menores, embalados pelo fervor da fé e generosidade.

Em épocas de Cristandade, a Igreja desenvolveu maravilhoso sistema de assistência aos pobres. Os mosteiros beneditinos tornaram-se centro de ajuda aos famintos. O abade, em ato de devoção e humildade, acolhia pessoalmente os mendigos, como a Cristo, e lhes servia suculenta sopa para restituir-lhes as energias no meio da pobreza e até da miséria geral.

A modernidade provocou crise na figura assistencialista. Levantou a suspeita de que ela nutria a alienação dos pobres, deixando intocado o sistema capitalista que se ia implantando. Movimentos sociais e revolucionários criaram partidos e Estados que pregavam a transformação radical da ação social. O próprio capitalismo, em dado momento, por influência de vários fatores, concebeu o Estado do bem-estar social que, de fato, se proveu de legislação com inúmeras conquistas sociais. E a Igreja optou, sobretudo na América Latina por influência da teologia da libertação, pela ação de conscientização política. Serviram-lhe de base intuições do pedagogo Paulo Freire.

A última onda do capitalismo neoliberal, profundamente perverso e retomando os piores tempos de sua desumana história, tem arrancado das legislações direitos trabalhistas até então adquiridos com o vergonhoso pretexto de desfazer-se dos entulhos do falido socialismo. Assim retira dele precisamente o melhor que ele tinha feito e ficou com o pior da exploração humana.

Em tal novo contexto, insere-se a ação pastoral da Igreja. Recordo aqui em poucas palavras a bela intuição de D. Luciano. A assistência a quem não tem condição de cuidar de si – crianças, anciãos, deficientes, etc – é pura caridade cristã. Aos capazes de assumir pessoalmente o próprio caminho a ação social da Igreja chama-se promoção social. Desperta nos pobres a consciência da própria dignidade e a coragem do compromisso . Conjugar as duas formas na justa medida de cada situação social continua sendo o caminho a trilhar.

João Batista Libânio 

Publicado originalmente na revista eletrônica Dom Total