Publicado Originalmente na Revista Eletrônica Dom Total.
Ano Nacional Mariano é uma rica oportunidade para favorecer o rosto misericordioso de Deus que Maria conhece e proclama com o seu canto de libertação.
Tânia da Silva Mayer*
Por ocasião dos trezentos anos do encontro da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, pelos pobres pescadores do rio Paraíba do Sul, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil propôs aos católicos brasileiros um tempo para refletir, fazer memória e celebrar ao redor do testemunho da mãe de Jesus. Desde 12 de outubro de 2016, a Igreja no Brasil é convidada a viver o Ano Nacional Mariano como tempo de louvor a Deus pela fidelidade de Maria ao Evangelho. Confirmado pelo Vaticano, o Ano Jubilar para a Igreja no Brasil oferece a indulgência plenária a todos os peregrinos que confessarem seus pecados. É uma rica oportunidade para favorecer o rosto misericordioso de Deus que Maria conhece e proclama com o seu canto de libertação.
Ao longo da história da Igreja, a compreensão a respeito da mãe de Jesus foi ganhando significados novos conforme as tendências da época. Entre a Patrística e a Idade Média é possível perceber como teologias foram sendo agregadas à figura de Maria, promovendo outros discursos teológicos, cristológicos, eclesiológicos e, também, antropológicos. Para as mulheres, a mãe de Jesus foi sugerida como um arquétipo a ser seguido, mas não a partir de sua compreensão bíblica, mas da roupagem nova que as épocas foram acrescentando ao papel e lugar de Maria na vida da Igreja. O fato de Maria ter sido elevada ao status de semideusa, cultuada em sua virgindade e maternidade simultâneas, impediu que todas as outras mulheres pudessem realizar uma vocação plena como a dela; uma vez que estavam impedidas de serem virgens e mães biológicas concomitantemente. Essa exigência realizada às mulheres reais, impulsionada por devoções pouco esclarecidas, promoveu uma subjugação ainda maior das mulheres e a frustração por nunca conseguirem atingir o arquétipo esperado ao longo do tempo.
Por isso, é importante insistir numa compreensão de Maria que a reconcilie com as mulheres do nosso tempo, conscientes da sua força para contribuir na transformação do mundo em mundo novo mais humanizado. E para isso, o retorno às fontes é imprescindível. É preciso beber das narrativas bíblicas, a fim de que redescubramos Maria e, nela, as potencialidades queridas por Deus para realizar seu plano salvífico. É preciso ir atrás da menina jovem que decididamente aceita contribuir com o projeto divino. Nela, precisamos encontrar a utopia jovem que adere, com todas as forças, a uma causa coletiva que beneficiará a todos. Essa leitura supera aquela outra que vê no “Sim” de Maria uma fatalidade. Antes, seu “Sim” é a pronta resposta de quem compreendeu e aderiu o Reino.
Por outro lado, o encontro com a Maria do Magnífica não pode deixar de acontecer. Ele revela o olhar atento para os sinais da história, mostrando como as mulheres não se alienam da percepção e compreensão do mundo e das relações nele estabelecidas. A Maria do Magnifica é, sem dúvidas, o rosto das mulheres que denunciam os sistemas desumanizadores, ao mesmo tempo em que anunciam relações de justiça sadia, que encontram pleno cumprimento na misericórdia de Deus. Tudo isso é realizado na perspectiva integradora do ser irmã, é o que nos apresenta a Maria da Sororidade, aquela jovem que enfrenta as peripécias do caminho montanhoso de Nazaré a Judéia, para servir sua semelhante Isabel. Encontrar-se com a Maria dos Evangelhos é encontrar-se com uma mulher comum, com significado e muito a ensinar às mulheres contemporâneas.
O tempo de um Ano Nacional Mariano é oportunidade fecunda de aprender com a mãe de Jesus os caminhos da evangelização, a acolhida do projeto do Reino, o anúncio da misericórdia de Deus e o encontro com os irmãos e com as irmãs. Mas para que essa experiência seja integradora, a Igreja no Brasil deveria propor mesas de debates, seminários, roda de conversa, subsídios e encontros pastorais que discutissem com profundidade as realidades das mulheres brasileiras.
Certamente, estar ao redor de Maria é uma ocasião para se pronunciar contrariamente à violência contra as mulheres, que estampa as páginas dos jornais e noticiários semanalmente em nosso país. É ocasião de defender políticas públicas para as mulheres e denunciar o furto dos direitos desse importante grupo social e religioso. O Ano Nacional Mariano, se quer estar enraizado no testemunho evangélico de Nossa Senhora, deve empreender verdadeira luta pela vida das mulheres negras, onde se encontra o maior número de vítimas de estupro; deve, ainda, promover campanhas intra e extra eclesiais que despertem atenção para o machismo impregnado em nossas instituições e grupos, conclamando relações de equidade entre mulheres e homens. É tarefa da evangelização despertar o Reino em todas as realidades, sobretudo nas que mais precisam se livrar das algemas históricas. Essa libertação nós aprendemos com Aparecida, que tem sob o olhar as mulheres brasileiras.
*Tânia da Silva Mayer é Mestra e Bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje); Cursa Letras na UFMG. É editora de textos da Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte.