2.1.5 Presença dos povos indígenas e afro-americanos na Igreja

88. Os indígenas constituem a população mais antiga do Continente. Estão na raiz primeira da identidade latino-americana e caribenha. Os afro-americanos constituem outra raiz que foi arrancada da África e trazida para cá como gente escravizada. A terceira raiz é a população pobre que migrou da Europa a partir do século XVI, em busca de melhores condições de vida e o grande fluxo de imigrantes de todo o mundo a partir de meados do século XIX. De todos estes grupos e de suas correspondentes culturas se formou a mestiçagem que é a base social e cultural de nossos povos latino-americanos e caribenhos, como já o reconheceu a III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano celebrada em Puebla, México33.

89. Os indígenas e afro-americanos são, sobretudo, “outros” diferentes que exigem respeito e reconhecimento. A sociedade tende a menosprezá-los, desconhecendo o porquê de suas diferenças. Sua situação social está marcada pela exclusão e pela pobreza. A Igreja acompanha os indígenas e afroamericanos nas lutas por seus legítimos direitos.

90. Hoje, os povos indígenas e afros estão ameaçados em sua existência física, cultural e espiritual; em seus modos de vida; em suas identidades; em sua diversidade; em seus territórios e projetos. Algumas comunidades indígenas se encontram fora de suas terras porque elas foram invadidas e degradadas, ou não tem terras suficientes para desenvolver suas culturas. Sofrem graves ataques a sua identidade e sobrevivência, pois a globalização econômica e cultural coloca em perigo sua própria existência como povo diferentes. Sua progressiva transformação cultural provoca o rápido desaparecimento de algumas línguas e culturas. A migração, forçada pela pobreza, está influindo profundamente na mudança de seus costumes, de relacionamentos e inclusive de religião.

91. Os indígenas e afro-americanos emergem agora na sociedade e na Igreja. Este é um “kairós” para aprofundar o encontro da Igreja com estes setores humanos que reivindicam o reconhecimento pleno de seus direitos individuais e coletivos, serem levados em consideração na catolicidade com sua cosmovisão, seus valores e suas identidades particulares, para viver um novo Pentecostes eclesial.

92. Já, em Santo Domingo, os pastores reconheciam que “os povos indígenas cultivam valores humanos de grande significado”34; valores que “a Igreja defende… diante da força dominadora das estruturas de pecado manifestas na sociedade moderna”35; “são possuidores de inumeráveis riquezas culturais, que estão na base de nossa identidade atual”36; e, a partir da perspectiva da fé, “estes valores e convicções são fruto de ‘sementes do Verbo’, que já estavam presentes e operavam em seus antepassados”37.

93. Entre eles podemos assinalar: “abertura à ação de Deus pelos frutos da terra, o caráter sagrado da vida humana, a valorização da família, o sentido de solidariedade e a co-responsabilidade no trabalho comum, a importância do cultual, a crença em uma vida ultra terrena”38. Atualmente, o povo tem enriquecido amplamente estes valores através da evangelização e os tem desenvolvido em múltiplas formas de autêntica religiosidade popular.

94. Como Igreja que assume a causa dos pobres, estimulamos a participação dos indígenas e afroamericanos na vida eclesial Vemos com esperança o processo de inculturação discernido à luz do magistério. É prioritário fazer traduções católicas da Bíblia e dos textos litúrgicos nos idiomas desses povos. Necessita-se, igualmente, promover mais as vocações e os ministérios ordenados procedentes destas culturas.

95. Nosso serviço pastoral à vida plena dos povos indígenas exige que anunciemos a Jesus Cristo e a Boa Nova do Reino de Deus, denunciemos as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas e fomentemos o diálogo intercultural, interreligioso e ecumênico. Jesus Cristo é a plenitude da revelação para todos os povos e o centro fundamental de referência para discernir os valores e as deficiências de todas as culturas, incluindo as indígenas. Por isso, o maior tesouro que podemos oferecer a eles é que cheguem ao encontro com Jesus Cristo ressuscitado, nosso Salvador. Os indígenas que já receberam o Evangelho, como discípulos e missionários de Jesus Cristo, são chamados a viver com imensa alegria sua realidade cristã, a explicar a razão de sua fé em meio a suas comunidades e a colaborar ativamente para que nenhum povo indígena da América Latina renegue sua fé cristã, mas ao contrário, sintam que em Cristo encontram o sentido pleno de sua existência.

96. A história dos afro-americanos tem sido atravessada por uma exclusão social, econômica, política e, sobretudo, racial, onde a identidade étnica é fator de subordinação social. Atualmente, são discriminados na inserção do trabalho, na qualidade e conteúdo da formação escolar, nas relações cotidianas e, além disso, existe um processo de ocultamento sistemático de seus valores, história, cultura e expressões religiosas. Permanece, em alguns casos, uma mentalidade e um certo olhar de menor respeito em relação aos indígenas e afro-americanos. Desse modo, descolonizar as mentes, o conhecimento, recuperar a memória histórica, fortalecer os espaços e relacionamentos inter-culturais, são condições para a afirmação da plena cidadania destes povos.

97. A realidade latino-americana conta com comunidades afro-americanas muito vivas que participam ativa e criativamente na construção deste continente. Os movimentos pela recuperação das identidades, dos direitos dos cidadãos e contra o racismo e os grupos alternativos de economias solidárias, fazem das mulheres e homens negros sujeitos construtores de sua história e de uma nova história que se vai desenhando na atualidade latino-americana e caribenha. Esta nova realidade se baseia em relações inter-culturais onde a diversidade não significa ameaça, não justifica hierarquias de um poder sobre outros, mas sim diálogo a partir de visões culturais diferentes de celebração, de interrelacionamento e de reavivamento da esperança.

Documento de Aparecida