Por Felipe Magalhães Francisco*

Publicado Originalmente na Revista Eletrônica Dom Total

Uma das experiências mais traumáticas para o povo de Israel foi o exílio da Babilônia, em 587 antes da era cristã. De tão traumática, a experiência resultou numa ressignificação da fé. A fé do povo de Israel nasce com a libertação da escravidão no Egito e se firma com a Aliança entre Deus e o povo, tal como nos narra Ex 19. A posse da terra, como cumprimento da promessa feita por Deus, significa o fortalecimento da identidade do povo da Aliança. O não direito à terra, nesse sentido, significou forte ruptura com essa identidade, colocando a fé do povo em crise e diante da urgência de ressignificação.

O Salmo 137 (136) aborda a questão, manifestando os impactos existenciais na vida do povo: “Na beira dos rios de Babilônia, nós nos sentamos a chorar, com saudades de Sião. Nos salgueiros ali perto penduramos nossas cítaras […]” (vv. 1-2). A dor da partida reafirma a memória e mexe profundamente com o povo, fazendo-o desejar a vingança: “Filha de Babilônia, devastadora, feliz quem te devolver o mal que nos fizeste! Feliz quem agarrar e esmagar teus recém-nascidos contra a rocha!” (vv. 8-9). A dureza da fala, vinda da mais legítima revolta, choca-nos, mas nos ajuda a perceber a dor da perda da própria terra, chão da própria identidade.

Todos os anos, milhares e milhares de pessoas saem de sua terra, em busca de melhores condições de vida. Entre esses milhares e milhares saem de seus países por uma questão de sobrevivência. A situação dos refugiados é verdadeiro drama humano, que precisa ser pensado e situado na dinâmica da busca pela realização da humanidade. No mundo todo, a questão das pessoas que deixam sua própria terra é exigente e reclama muita atenção. Mesmo sendo uma questão de sempre, apenas há pouco tempo o mundo volta seu olhar para a situação. Das periferias existenciais, os refugiados se encontram na periferia das periferias.

Nos campos de concentração, padecem a não hospitalidade: saídos de sua terra, em busca de possibilidades de vida, sobrevivem, quando não sucumbem antes da chegada. No lugar de portas abertas, encontram muros e cercas, são condenados à “prisão da exclusão”: presos do lado de fora. No mundo globalizado não há lugar para pessoas, como cidadãs do mundo, apenas para riquezas de uns poucos, de mercadorias e de apropriação dos bens naturais dos países não desenvolvidos e da força do trabalho de seus habitantes.

Junto ao drama dos refugiados, vítimas de guerras que não lhes dizem respeito, cresce o discurso de ódio, não hospitaleiro, xenófobo e extremamente preconceituoso quanto à religião dos refugiados. Nos discursos nacionalistas, o fechamento ao outro, mas a permanente abertura às riquezas apropriadas dos países desse outro. Na linguagem popular: um constante “venha a nós o vosso Reino” e nada de “seja feita a vossa vontade”. Os refugiados não existem: são anulados, desumanizados. A situação exige responsabilidade por parte dos líderes mundiais. E isso significa transformar as realidades que causam a fuga das pessoas de seus próprios países, tal como as guerras movidas por interesses econômicos e de dominação. A fala de Jesus seja insistente entre nós: “Entre vós não deve ser assim” (Mc 10,43).